CHATO DE GALOCHA
R. SANTANA
Eufrásio era um velho conhecido dos
tempos da adolescência. Quando o conheci, ele tinha sido transferido da Cidade
de Deus em Osasco, onde trabalhava numa conhecida rede bancária, como operador
de rádio Morse, para Itabuna. Naquela época, bancário era o emprego mais
cobiçado e desejado pelos jovens que pleiteavam entrar num incipiente e
restrito mercado de trabalho. O jovem bancário era disputadíssimo pelas moças
solteiras que sonhavam matrimônio. E status maior era ser um funcionário bancário,
ainda mais, ser um qualificado operador de rádio Morse de um grande banco. Ele
que tinha recém saído da Aeronáutica, chegando ao posto de 3º. Sargento
pára-quedista, não demorou contrair núpcias com uma bonita baiana nessas terras
do sem fim de Jorge Amado.
Era
um jovem simpático, de estatura mediana, atarracado, de compleição robusta que
quando sóbrio era um boa praça, amigo e prestativo, porém quando bebia, dava
porre em “Sonrisal” e embebedava “Alka-setzer “, Deus perdoe-me sua ausência:
era um chato etílico!...
Quando estava bêbado, só falava com a
gente cochichando, gesticulando e babando. Embebedava-se facilmente. Não bebia
para embebedar, mas embebedava porque bebia. Eu era caixeiro de bar, tinha que
suportar noite adentro sua chatice para ele engolir dois ou três conhaques ou
duas ou três cervejas. Além da chatice alcoólica de Eufrásio de querer falar as
coisas banais em segredo, nos agarrando, cuspindo e gesticulando, ele demorava
um intervalo enorme de um trago pra outro, que demandava tempo e paciência para
aturá-lo
Certo dia, chateado de
lhe pajear profissionalmente, em decorrência da minha função de caixeiro e
levado pela minha imaturidade juvenil, às tantas da noite, com rala clientela,
eu e um colega de trabalho, combinamos dar-lhe (às essas alturas, ele tinha
perdido toda sobriedade e discernimento que lhe restavam), álcool puro,
acredito, beirando aos 46º. INPM. Foi tiro e queda! Ele engasgou, engulhou,
ficou ansioso, quase perdeu os sentidos e numa reação inesperada, mudo, tomou o
caminho de sua casa que ficava na circunvizinhança e desapareceu...
- E aí, Geraldo, matamos
o homem! - Geraldo, colega de trabalho, mais velho e mais irresponsável, pouco
se liga – eu quero que esse filho da puta chato se fo... fo... , vazo ruim não
quebra! – Dois dias depois desse surto de catarse que provocamos, ele
reapareceu são e forte sem falar e nem reclamar do ocorrido.
O chato não tem educação,
é rasteiro, não tem senso de oportunidade, fala quando deveria ouvir é como
aquele inseto que coça irritantemente a região pubiana de uma pessoa e ela não
consegue desvencilhar-se facilmente.
Não pense o leitor que o
chato se caracteriza somente pela falta de educação. Tem o chato acadêmico, o
chato religioso, o chato adulador, o chato puxa-saco. Qual a dona de casa que
já não deixou seus afazeres domésticos para ouvir uma chata ou um chato
religioso? A doutrina religiosa não é chata, mas alguém lhe tomar tempo para
encher sua cabeça de um fundamentalismo religioso estéril, cantilena decorada
de capítulos e versículos da Bíblia, é um desserviço a Deus.
Quem ainda não teve um
colega sabichão? O tipinho que tudo sabe e quer demonstrar para o mundo que
sabe tudo? Às vezes, esse chato termina irritando e desestabilizando o
professor e os colegas com seu cricri. Mesmo que ele não possua senso de
oportunidade, a melhor reação para contê-lo, é ignorá-lo e deixar-lhe à vontade
nas suas críticas.
Porém, o pior chato e o
mais incômodo é o adulador, o puxa-saco. Este é o chato que advinha a vontade
dos patrões numa servidão voluntária que irrita e dar náusea aos demais
circunstantes. Há uma passagem folclórica de um indivíduo fumante que chamado
pelo patrão para confirmar se ele fumava, respondeu: “eu fumo, mas se o senhor
quiser, eu deixo.” É o serviçal assumido. Embora pareça que o chato é um
beócio, um curto de inteligência, ledo engano, é um ser perigoso, perspicaz, falso,
que lhe deixa ver navio, assim que não represente seus escusos interesses.
Conheci um professor de
escola pública que se prestava lavar e escovar o carro dos novos diretores de
sua escola, antecipar-lhe seus desejos e auxiliá-lo nos serviços domésticos de
finais de semana, numa servidão espontânea, irritante e calculada. Angariava-lhes
dessa forma. confiança e prestígio fácil. Era um negro de fala mansa, falava
cochichando, mais para ele ouvir do que para o seu interlocutor ao lado, com
jeito de afeminado, que com sua chata adulação e drible de corpo, construiu uma
carreira de mando por indicação, nas escolas que trabalhou, pouco se dando às
atividades docentes. Um colega comum, de saudosa memória dizia: - É um sujeito
mais escorregadio que uma enguia. Mais falso do que uma nota de três reais. Se
ele souber que tem uma cobra no seu caminho, ele a deixa picar-lhe para ter
oportunidade de suturar suas feridas com a moeda da bajulação! – Era verdade,
ele era incapaz de avisar alguma prevenção administrativa individual. Se um
aluno fazia denúncia infundada de um colega, ele deixava os fatos correrem
soltos em detrimento funcional do colega, resumindo: era um chato adulador do
chefe e inato egoísta.
A chatice não é uma
doença, é um estilo de vida de algumas pessoas, talvez, um mecanismo de defesa
que muitos usam para sobreviver às agruras e dificuldades do dia-a-dia.
Encontram na tagarelice e em atitudes inconvenientes sua auto-afirmação.
O escritor Guilherme
Figueiredo escreveu um Tratado geral dos chatos. Ele fez um texto bem humorado,
divertido, todavia, não incluiu na sua classificação um novo chato: o
internauta mensageiro. É o chato que lhe enche de mensagens diuturnas não solicitadas.
É um chato diferente, não há contato físico, mas um contato intelectual que
graças aos recursos da tecnologia pode-se deletar.
Gênero literário: Crônica
Autor: Rilvan Batista de Santana
Texto livre: proibido modificação
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