A Praça da Matriz
R. Santana
Não
tínhamos mais de 9 anos de idade cada um.
Éramos três crianças peraltas, bonitas e saudáveis. Nós tínhamos em
comum morar no mesmo quarteirão da “Praça da Matriz”, quando o padre nos ritos
finais dava sua bênção: “Benedicat vos omnipotens Deus”, e concluía: “Pater et
filius et Spiritus Sanctus, Amen!” – era o fim. Não entendíamos bulhufas de
latim, só entendíamos que tinha chegado ao fim pelo gesto da cruz que o padre
fazia e pelo “Amen!” de língua enrolada do padre alemão – era o melhor momento
da missa -, nossas mães nos prendíamos à força pelas mãos para que não
saíssemos em disparada e fossemos brincar na praça da matriz.
Era uma praça suntuosa, ajardinada, cheia de bancos, árvores copadas e desenhadas em todo o seu redor, no meio um coreto e, postes de luz, encimados por um globo branco de acrílico, distribuídos estrategicamente em toda sua extensão, iluminando os casais de namorados e os demais. Não dávamos bola pra ninguém, somente, para nossas brincadeiras.
Além das árvores copadas, dos
bancos e do jardim, gostávamos mesmo era do coreto, ali, quando o guarda
deixava, subíamos na mureta e ficávamos deslumbrados com a fachada da igreja...
Não tínhamos apego à sua nave de estilo gótico, comum a tantas outras igrejas,
mas nos deslumbrávamos com sua fachada de duas enormes torres abóbadas e, lá em
cima, a escultura de um galo, entre uma torre e outra, um pedestal de forma escalena,
desenhado em suas laterais, no topo, a esplêndida estátua de Nossa Senhora da
Piedade! Abaixo, depois duma faixa horizontal, quatro janelões retangulares
envidraçados e mais abaixo, três grandes portas, a porta principal mais alta do
que as suas laterais e outros detalhes arquitetônico singulares.
O coreto oitavado recebia em suas
muretas oito colunas que sustentavam uma abóboda que formava o teto, a parte
superior do abrigo. Descobríamos nesses detalhes, que o nosso coreto não era
diferente em forma e beleza das linhas arquitetônicas da matriz.
Gostávamos quando o
coreto era usado pela orquestra sinfônica nos dias de festas cívicas e
religiosas. O Natal era sem dúvida, a festa mais importante, a festa que mais
curtíamos porque sua preparação começava um mês antes com os bazares e as
quermesses e findava com a missa do Galo.
Na noite de Natal,
chegávamos mais cedo à praça, todos nós com roupas brancas, camisa de manga
comprida e gravata borboleta e sapatos engraxados. Nessa noite, os nossos pais
frouxavam na disciplina desde que não sujássemos a roupa nova. Aí, corríamos
toda praça, ouvíamos a orquestra sinfônica, elegíamos o casal mais bonito e
mais feio de namorados, visitávamos alguns presépios, nos detínhamos naqueles
mais inventivos, naqueles que contavam a história dos Reis Magos e a vaca se
movimentava ou mugia, e, a manjedoura que abrigava uma Sagrada Família feliz.
Não gostávamos de presépios pobres...
Porém, o ponto alto da
noite de Natal não eram os folguedos da Praça da Matriz, mas o retorno para
casa depois da missa do Galo, onde a família reunida e alguns convidados
tomavam assento numa mesa enorme e as nossas mães começavam servir a Ceia de
Natal com peru (o prato principal), uma variedade de saladas, feijão, arroz,
castanha de caju, nozes, castanha-do-pará e uma variedade de doces na
sobremesa, para os homens, um bom vinho ou um bom champanhe – era uma festa!...
A festa de Sete de
Setembro tinha o seu início e o seu desfecho, também, na Praça da Matriz. Nós
percorríamos todas as ruas da cidade de Lagarto, fazíamos nossa parada maior em
frente ao palanque do prefeito e de outras autoridades, a fanfarra executava
suas músicas, depois, voltávamos para praça e perfilados, ouvíamos o comando:
“dispersar” dos diretores de escola.
Os anos se foram, hoje,
matriz e praça não são mais as mesmas, elas não possuem mais a mesma
suntuosidade e o mesmo tamanho daquele tempo de criança. Parece que matriz e praça foram
encolhidas?... Não! Elas não foram encolhidas, permanecem do mesmo tamanho,
despertando sonho, alegria e curiosidade aos olhos, hoje, de outras crianças, o
tempo é que levou as nossas crianças e trouxe adultos empedernidos e sem alma.
Gênero: Crônica
Autor: Rilvan
Batista de Santana
Licença: Creative Commons
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